A solidão desarma o homem que irresponsavelmente se desordena em buscas variadas para inibir suas sensações diárias. A insegurança maltrata o individuo de maneira dolorosa, fazendo com que este diversifique suas sensações itinerantes
Paulo era um homem solitário, viveu seus 40 e poucos anos sem se apegar a ninguém com paixão real, apenas curtia sua vida plenamente, sem ao menos se dar conta que o mundo passa e a idade avança.
Um belo dia ao acordar, notou que seus cabelos já não tinham tom forte, que seu rosto já não era tão claro e limpo, começou desta feita a pensar no que havia feito de importante durante todos os anos passados. O que teria construído de sólido? Essas dúvidas pairaram por ele durante alguns minutos. Quando notou estava vendo no espelho uma imagem que o assustara. Viu que sua existência não tinha tanto sentido como pensava, era um homem solitário, sem companhia, triste. Isolado em seu próprio mundo, fechado em seu pleno ciclo que nem amigos conseguiu conquistar.
O que Paulo viu em seu espelho o assustou bastante que nem teve forças para sair daquele local, sentou-se ao chão em frente ao seu reflexo e começou a tentar entender, todo o significado de sua vivência até aquele momento.
Olhou-se calmamente por vários minutos sem nem ao menos piscar. Observou-se incessantemente tentando compreender os porquês de sua existência. Seu reflexo assustador parece que conseguiu tirá-lo de dentro da sua personalidade, então Paulo chorou por vários minutos sucessivos e acabou limpando sua alma escura e contemplando sua aura bela e crua, após o acordar do sonho.
Cansou de um dia tentar se entender pelas coisas que sempre realizou ou sonhou. Pensou que enquanto pensava em tudo, sempre conseguiria resolver ou ao menos afastaria o ruim de sua vida. Parou. Entendeu que por mais que as pessoas que te ouvem digam que te entendem, isso na maioria das vezes é dito apenas para que você não se magoe com elas, pois a humanidade se individualiza cada dia com a velocidade da luz…diria eu mais das trevas, pois o entendimento humano cada dia que passa de desfaz ou diz diz em meio a um emaranhado de casos, causos e estórias de um, de vários ou de todos, não importa, pois um dia o fim chega, e quase sempre vem sem ao menos ter dado a verdadeira oportunidade para o homem ter dignificado os seus, da forma em que este mesmo homem um dia divagou. Os indivíduos, parecem que estão cada vez mais vivenciando a perfeita denominação da palavra, se deixando a cada dia mais que o outro, procurando, tentando, percebendo, acreditando e alcançando o uno individual, o egocentrismo de suas percepções e ações, utilizando-se do achismo do eu em detrimento do próprio eu, colocando-se cada vez mais em sua redoma individual como se fosse uma experiencia de vida in vitro, num vidro que nunca estala, que não fura, que nunca quebra, que não some, mesmo em sua fascinante transparência.
Consegui visualizar o outro lado, ultrapassei com facilidade o imaginário, mais não enxerguei o reflexo no vidro por falta apenas do fundo. Mirei atentamente minhas realizações e realidades, mas vi apenas o invisível ou melhor não enxerguei o visível, mesmo que este estivesse claramente em minha frente, talvez seja por isso mesmo, o claro é sempre mais difícil de ser visto, se estivesse nas trevas, rapidamente conseguiria discernir sobre o real e/ou imaginário de meus propósitos de vida, ou melhor na vida, vivida, vivenciada ou envolvida por outras vidas não compreendidas, não percebidas, não entendidas, nem mesmo percebidas, por mim ou você, em verdade por mim mesmo devido ao fundo novo revelado do in vitro negro apresentado.
Meus pensamentos cessam, tudo congela, pára, minha mente se estagna e o que se revela a mim e tão somente a louca claridade, brilhante e forte, meu ser se contempla na angustia real de minha nada vida. Me sinto forte, fico em pé sem ao menos cambalear, meus pés estão firmes como rocha, e me encaminho suavemente em direção a porta, atravesso e percebo o branco leve da paisagem a minha frente, desta feita tudo fica claro, tudo se torna limpo, e entendo que uma nova vida me chama, então prosto-me em meio ao léu resplandecente de minha nova caminhada, e aceito com gratidão a nova missão que recebo.
Atentamente, passo por todo o paço livre, sentindo a brisa leve e aconchegante em meu rosto, encontro ao fim da bela passarela um pedestal com um livreto aberto onde li:
“Deixai vir os meninos a mim, e não os impeçais, por que dos tais é o reino de Deus.”(Marcos 10,14).
Sem muito entender o que havia lido continuei a caminhada, e ao passar por um portal estreito e alto deparei-me com um largo repleto de arvores, fontes e flores, ao me aproximar de um pequeno bebedouro de pássaros ao centro da praça, vi que minha aparência se fazia de uns poucos anos, me assustei, então entendi onde estava naquele novo momento, me tranquilizei e continuei seguindo a direção do meu novo destino.
Meus Olhos
Abri meus olhos calmamente, entretanto não conseguia vislumbrar nada que fosse conhecido ou significativo a minha pessoa. Naquele momento, tudo o que percebia era uma luz clara ao longe, parecia aumentar sua intensidade paulatinamente, de repente, escuridão total, senti as pálpebras caírem violentamente por sobre meus olhos, tão pesadas que estavam, que mal consegui abri-las novamente, desta feita apaguei.
Passado alguns minutos, senti que minha vitalidade voltara vagarosamente, sentia mais uma vez o calor de meu próprio corpo aquecer minha consciência percebia o ar adentrando meus pulmões com voracidade, então, canalizei minhas renovadas forças vitais para abrir novamente meus olhos. E mais uma vez, lá estava , desta vez mais brilhante e perto de minha visão, sua intensidade praticamente me cegaria se conseguisse fixar meus olhos por mais tempo em sua direção. Apreciei complacentemente aquela claridade mágica, parecia que me encontrava em uma espécie de redoma esbranquiçada, iluminada por holofotes enormes.
Alguns minutos mais tarde, novamente senti meu ser desfalecer, lutei com as poucas forças que me restavam para permanecer firme, isso foi em vão, parecia que o peso de meu corpo duplicava com facilidade imensa, meus olhos outra vez iam lacrando, perdi momentaneamente o discernimento do real, do que via, tentei entender o que acontecia, no entanto meus sentidos eram insuficientes para compreender os acontecimentos em minha vida naquele exato momento. Desfaleci novamente.
Desta vez pareceu que o tempo parara, não consegui vislumbrar nada a meu redor, apenas sentia que estava sendo vigiado. Não sentia mais a claridade de outrora, apenas pressentia que alguns vultos me acompanhavam, conversavam entre si, rodeavam meu leito, mas eu não os podia compreender, fiquei na expectativa de que alguém se aproximasse mais e assim eu pudesse então visualizar com clareza o que acontecia. Sentia-me fraco. Notava apenas as roupas brancas, várias delas ao meu redor, porém, longe o suficiente para que eu conseguisse enxergar. Vários minutos passavam e parecia que meu ser se distanciava cada vez mais da minha realidade vivida. Sentia que o espaço em que me encontrava começava a desaparecer. Formava-se em minha frente um caminho acinzentado, iluminado com pequenas lâmpadas fracas ao chão, como que sinalizando o trajeto que deveria seguir. Olhava para frente, porém, não conseguia vislumbrar onde iria findar o trajeto. Apenas entendia que deveria seguir até que encontrasse algo ou alguém que pudesse desvendar tudo o que estava acontecendo comigo. Sentia-me confuso, desnorteado, as coisas pouco faziam sentido. Sentia medo. Fechei outra vez os olhos com força, com a esperança de que ao reabri-los pudesse acordar deste pesadelo que começava a me assombrar. O ar parou de repente, mais continuava com meus sentidos todos aparentes, não compreendia o que estava acontecendo, novamente me preocupei, mais uma vez desfaleci.
Notei uma correria ao meu redor, não via nada, apenas sombras, e luzes piscando ao fundo. Tentei abri meus olhos, mais minhas pálpebras continuavam tão pesadas que impediam uma perfeita visualização do que acontecia.
Novamente um clarão límpido e branco ofuscou meus olhos violentamente, sentia-me acordado outra vez, mais o caminho agora estava mais iluminado, e conseguia sentir uma brisa fria passar pelo meu corpo. Ao longe, ao fim da imensidão, tudo bem indefinido, notava uma claridade diferente da que me acompanhava, parecia que um largo redondo completava o fim do caminho que percorria. Meus olhos me davam mais uma oportunidade de tentar entender o que acontecia, todavia ainda sem a nitidez necessária para uma compreensão perfeita do que via. Conforme me aproximava, mais notava as peculiaridades do passeio que realizava, árvores e animais agora se faziam presentes em redor, notei que o caminho não mais era cinza e sim repleto de cores vibrantes. Tudo parecia mais nítido. Uma paisagem indescritível se abria bem a minha frente, estasiando-me completamente, sentia-me livre, contemplando aquela imensidão natural.
Percebi que meus olhos nesse momento já se encontravam fortalecidos de novo, já conseguia discernir tudo que via, entretanto, me encontrava confuso, pois não sabia como poderia eu estar neste paraíso perfeito e minha mente ainda estando em meio as lembranças dos vultos brancos a minha volta. Olhava para todos os lados, e descobria a cada momento o quão era belo e perfeito o local onde me encontrava, comecei a apreciar toda aquela maravilha ao meu redor. Maravilhado estava com tanta ternura, sentia o ar invadir meus pulmões e fortalecer minha vida, sentia-me forte, o medo e a apreensão já não se faziam presente em mim naquele momento, ainda não compreendia o que estava acontecendo, mais já tinha certeza que preferia esse novo lugar onde me encontrava, do que o anterior acinzentado. Senti uma vontade incontrolável de mais uma vez fechar meus olhos, pressentia que aquela seria a última, fechei-os prolongadamente.
Tentei abri-los, mas minhas pálpebras não permitiram, fiquei novamente confuso, uma incerteza assolou-me momentaneamente, continuei forçando-o, em vão. Comecei a ouvir vozes ao longe, estas se aproximavam de mim vagarosamente, acenei os braços, falei, gritei, mas não obtive resposta alguma. Isso me irritou. De repente, senti que alguém tocou em minhas mãos. Segurei com firmeza e senti que uma força luminosa se encontrava bem perto a mim, mais uma vez senti que podia abrir meus olhos. Assim o fiz paulatinamente, e notei que o clarão era enorme naquele momento, que mal podia discernir o que via, porém continuava a sentir o toque em minhas mãos. Vagarosamente a luz foi se dissipando e eu começando a enxergar as coisas ao meu redor, mais sem ouvi com clareza. Percebi que continuava eu em meio ao paraíso de outrora, no entanto, desta vez não me encontrava mais sozinho. Vislumbrava um cem numero de pessoas todas confluindo a beleza do lugar. O céu azul e límpido, com nuvens brancas que formavam desenhos variados, os pássaros entoando seus cantos em meio as árvores floridas e recheadas de frutos, uma verdadeira perfeição natural. Olhei para os lados e ainda não conseguia identificar quem segurava minhas mãos. Neste momento ouvi uma voz suave e doce dizendo: “Meu filho abra os olhos, por favor volte para nós, já fazem tantos dias, e você não nos responde, vamos…acorde…retorne para vida”.
Não compreendia aquelas palavras, apenas conseguia identificar que era minha mãe quem falava, olhei para os lados mais uma vez, mais ainda não via quem me segurava as mãos, apenas via a claridade intensa, mais apenas em meu lado. Quando distanciava a visão conseguia vislumbrar tudo ao redor. Fiquei mais confuso, então forcei meus olhos com todas as forças de meu ser, e pude entender o que acontecera, me encontrava em uma nuvem altamente iluminada, me dirigindo ao paraíso o qual via ao longe, e ao meu lado, meus pais, cada um de um lado, conduzindo mais uma vez meu pequeno ser á uma nova vida.